Por Nilson Denari
É comum, na Clínica, ouvir choro de criança. Se ainda hoje há adulto com medo de dentista, imagine uma criança, principalmente aquela de pais medrosos, imaturos. É “hereditário”.
Mas, aquele choro naquela manhã, vindo lá da sala de meu sobrinho Marcos, era diferente. Não me parecia ser de medo, de pânico pelo desconhecido ou, erroneamente conhecido; era de raiva sim, berros de revolta.
Como ando neste momento da minha vida, perdendo o medo de saber os ‘porquês’ das coisas que me circundam e me interessam, vou fundo em qualquer pequeno detalhe que me chame a atenção, seja uma simples frase musical ou mesmo um choro esquisito de criança. Assim logo que pude, fui até lá. Quando entrei na sala, não havia choro. Sorrateiramente, meio por trás da porta, pude ouvir e observar o cenário: sentada, mas afastada do encosto da cadeira, uma linda criança beirando os seus três aninhos, em uma posição de profunda atenção, ouvia o que estava sendo esclarecido, nos seus mínimos detalhes, por sua mãe, postada aos pés da cadeira.
Uma babá, em pé, com as duas mãos no encosto de cabeça, da cadeira esperava ordens. De cada lado da menina, meu sobrinho e sua auxiliar aguardavam, pacientemente, o momento de começar a atuar.
“Então, filhinha, como a mamãe disse, há um bichinho mordendo seu dentinho, é por isso que está doendo. Já faz três noites que ele fica comendo seu dentinho, fazendo o buraquinho que eu lhe mostrei. E é por isso que dói, você chora há três noites e ninguém consegue dormir naquela casa. O Tio Marcos vai tirar esse bichinho daí. O Tio Marcos e a mocinha vão tomar conta dele, para que nunca mais ele judie de você. Fique bem quietinha que não vai doer nada. Agora deixe o tio Marcos e a mocinha trabalharem.”
A criança se mantinha atenta às explicações da mãe, até o momento em que tentaram novamente colocá-la em posição para iniciar o tratamento. Acabou a paz, tudo voltou ao que era antes: berros e gritaria.
Esse é o grande momento terapêutico. A menina já sabia, graças às experiências passadas, que nada como um belo choro de criança para amolecer os corações dos adultos.
Essa é a hora mais importante de toda a relação dentista e jovem paciente a de se mostrar a verdade. Sabia eu, que a partir do momento em que essa criança, ao conhecer as novas práticas clínicas odontológicas no atendimento infantil, iria saber da verdade, se livraria dos fantasmas, poderia se tranqüilizar e adotar uma outra postura diante do dentista, e com isso, torna-se uma excelente paciente. Era para nós rotina ouvir dessas crianças, ao se tornarem adultas, que passavam do atendimento com o Dr. Walter Denari para o nosso atendimento, esclarecerem: “Se o senhor acha que vai doer, pode anestesiar, por favor”. É mole?
Isso é o que mostrou a nossa maravilhosa vivência de mais de cinqüenta anos e essa experiência ele ensinou para o seu filho e por todo esse mundo afora.
Mas, voltemos ao nosso caso. A verdade, nesse exato momento é que existia uma lesão cariosa a ser removida e um dente a ser restaurado. Precisavamos anestesiar corretamente e sem trauma doloroso, efetuar o tratamento.
Com a criança imobilizada pela mãe, babá e auxiliar, o Tio Marcos se aproximou. Nesse momento, fez-se silêncio.
Pensei: “Será que uma guerreira como essa acreditou nesses inocentes argumentos e desistiu de lutar? Vencida só por essa força? Aonde foram parar suas aguerridas concepções?” Eu não acreditava no que estava vendo. “Que pena.”, pensei.
Ledo engano. Em segundos, de espada em punho, ela desferiu seu golpe mortal, em todos aqueles que pensavam que a batalha havia terminado. Começou a agitar as perninhas bradando; “Qué cocô, qué cocô !”, balançando as perninhas.
A babá confirmou: “Ela quer fazer cocô.”.
Olhares incrédulos se cruzaram por toda a sala. “Ela quer fazer cocô”, ouviu-se novamente.
Diante de tão forte argumento, o cenário se desfez e quando a estrela maior passou a minha frente, tive vontade de beijá-la.
O silêncio se perpetuou por mais 10 minutos, até o seu retorno. Ao passar por mim, ansioso de curiosidade, perguntei à babá: “Ela fez cocô?” “Que nada.” foi a resposta.
Eufórico, por ter vivido essa experiência de participar e por ter tido a oportunidade de conhecer um ser humano, que luta até o fim, na defesa do que acredita, e mais, ter a capacidade de, ao entender a força de seus inimigos, bate em retirada, não para fugir, mas para buscar fôlegos e novas estratégias para voltar à luta, vibrei.
Correndo e saltando de alegria, voltei ao meu consultório, igual Pelé ao fazer um gol de placa.
Quando lá cheguei, o momento, então não era mais de ansiedade em conhecer ‘os porquês’, mas sim, foi um momento de êxtase total por ouvir novamente aquele canto estridente, um brado de guerra, na voz de uma soprano de dar inveja à Bidu Sayão. Nilson Denari: nilsondenari@cmg.com.br
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Um comentário:
é uma delicia poder ler seus textos. Me reporto a minha infancia, aos bichinhods de gesso que a gente ganhava, a tinta passada na mão e carimbada na parede ao fim do tratamento. Lindo, meu querido tio.
Bjs,
Neuci
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