Informações, Orientações, Crônicas e Bate-Papo sobre Odontologia, a Saúde Bucal e o Ser Humano

Dr. Nilson Denari, Dra.Mônica Denari Piffer, Dra. Marly Simões,Dr. Marcos Denari, Dr. Renê Van der Laan, Dr. Rodrigo Nogueira

domingo, 8 de junho de 2008

Sabedoria Infantil

Por Nilson Denari

É comum, na Clínica, ouvir choro de criança. Se ainda hoje há adulto com medo de dentista, imagine uma criança, principalmente aquela de pais medrosos, imaturos. É “hereditário”.
Mas, aquele choro naquela manhã, vindo lá da sala de meu sobrinho Marcos, era diferente. Não me parecia ser de medo, de pânico pelo desconhecido ou, erroneamente conhecido; era de raiva sim, berros de revolta.
Como ando neste momento da minha vida, perdendo o medo de saber os ‘porquês’ das coisas que me circundam e me interessam, vou fundo em qualquer pequeno detalhe que me chame a atenção, seja uma simples frase musical ou mesmo um choro esquisito de criança. Assim logo que pude, fui até lá. Quando entrei na sala, não havia choro. Sorrateiramente, meio por trás da porta, pude ouvir e observar o cenário: sentada, mas afastada do encosto da cadeira, uma linda criança beirando os seus três aninhos, em uma posição de profunda atenção, ouvia o que estava sendo esclarecido, nos seus mínimos detalhes, por sua mãe, postada aos pés da cadeira.
Uma babá, em pé, com as duas mãos no encosto de cabeça, da cadeira esperava ordens. De cada lado da menina, meu sobrinho e sua auxiliar aguardavam, pacientemente, o momento de começar a atuar.
“Então, filhinha, como a mamãe disse, há um bichinho mordendo seu dentinho, é por isso que está doendo. Já faz três noites que ele fica comendo seu dentinho, fazendo o buraquinho que eu lhe mostrei. E é por isso que dói, você chora há três noites e ninguém consegue dormir naquela casa. O Tio Marcos vai tirar esse bichinho daí. O Tio Marcos e a mocinha vão tomar conta dele, para que nunca mais ele judie de você. Fique bem quietinha que não vai doer nada. Agora deixe o tio Marcos e a mocinha trabalharem.”
A criança se mantinha atenta às explicações da mãe, até o momento em que tentaram novamente colocá-la em posição para iniciar o tratamento. Acabou a paz, tudo voltou ao que era antes: berros e gritaria.
Esse é o grande momento terapêutico. A menina já sabia, graças às experiências passadas, que nada como um belo choro de criança para amolecer os corações dos adultos.
Essa é a hora mais importante de toda a relação dentista e jovem paciente a de se mostrar a verdade. Sabia eu, que a partir do momento em que essa criança, ao conhecer as novas práticas clínicas odontológicas no atendimento infantil, iria saber da verdade, se livraria dos fantasmas, poderia se tranqüilizar e adotar uma outra postura diante do dentista, e com isso, torna-se uma excelente paciente. Era para nós rotina ouvir dessas crianças, ao se tornarem adultas, que passavam do atendimento com o Dr. Walter Denari para o nosso atendimento, esclarecerem: “Se o senhor acha que vai doer, pode anestesiar, por favor”. É mole?
Isso é o que mostrou a nossa maravilhosa vivência de mais de cinqüenta anos e essa experiência ele ensinou para o seu filho e por todo esse mundo afora.
Mas, voltemos ao nosso caso. A verdade, nesse exato momento é que existia uma lesão cariosa a ser removida e um dente a ser restaurado. Precisavamos anestesiar corretamente e sem trauma doloroso, efetuar o tratamento.
Com a criança imobilizada pela mãe, babá e auxiliar, o Tio Marcos se aproximou. Nesse momento, fez-se silêncio.
Pensei: “Será que uma guerreira como essa acreditou nesses inocentes argumentos e desistiu de lutar? Vencida só por essa força? Aonde foram parar suas aguerridas concepções?” Eu não acreditava no que estava vendo. “Que pena.”, pensei.
Ledo engano. Em segundos, de espada em punho, ela desferiu seu golpe mortal, em todos aqueles que pensavam que a batalha havia terminado. Começou a agitar as perninhas bradando; “Qué cocô, qué cocô !”, balançando as perninhas.
A babá confirmou: “Ela quer fazer cocô.”.
Olhares incrédulos se cruzaram por toda a sala. “Ela quer fazer cocô”, ouviu-se novamente.
Diante de tão forte argumento, o cenário se desfez e quando a estrela maior passou a minha frente, tive vontade de beijá-la.
O silêncio se perpetuou por mais 10 minutos, até o seu retorno. Ao passar por mim, ansioso de curiosidade, perguntei à babá: “Ela fez cocô?” “Que nada.” foi a resposta.
Eufórico, por ter vivido essa experiência de participar e por ter tido a oportunidade de conhecer um ser humano, que luta até o fim, na defesa do que acredita, e mais, ter a capacidade de, ao entender a força de seus inimigos, bate em retirada, não para fugir, mas para buscar fôlegos e novas estratégias para voltar à luta, vibrei.
Correndo e saltando de alegria, voltei ao meu consultório, igual Pelé ao fazer um gol de placa.
Quando lá cheguei, o momento, então não era mais de ansiedade em conhecer ‘os porquês’, mas sim, foi um momento de êxtase total por ouvir novamente aquele canto estridente, um brado de guerra, na voz de uma soprano de dar inveja à Bidu Sayão. Nilson Denari: nilsondenari@cmg.com.br

CLÍNICA DENARI 45 ANOS

Sua História

Por Nilson Denari

“Não vá fazer Odontologia”, disse meu pai em meados de 1950. É uma profissão desgastante, você vai trabalhar em pé ao longo da sua vida.E o pior, se não estiver no con- sultório todos os dias, ali, na boca do paciente, não vai ganhar nada.Já que você vai para
Ribeirão Preto e a faculdade é de Farmácia e Odontologia, faça Farmácia.Desse modo você
Poderá viajar e a farmácia continuará rendendo.”
Assim pensava o Dr. Antenor Denari, dentista há quase 25 anos.Eu assistia a sua luta das sete da manhã às dez horas da noite, todos os dias exceto aos domingos, em seu consultório instalado na parte da frente de nossa casa, em Sorocaba, rua Hermelindo Matarazzo nº 32, onde nasci.Nessa época, eu estava com meus imberbes 18 anos . O conselho havia chegado tarde demais: três anos após, no dia 13 de dezembro de 1953, aos 21 anos, eu recebia meu canudo de Cirurgião Dentista na inesquecível Ribeirão Preto. Não adiantou a palavra do “velho”, a Odontologia já havia sido amor à primeira vista. Como também foi, após 8 meses de Sorocaba, vir trabalhar em Santos. Rua Vasconcelos Tavares nº19, 5º andar, sala cujo número não mais me recordo. O consultório era alugado e apesar de ser um ilustre desconhecido, esnobei: era dentista na cidade, no centro, o coração de Santos na época. No princípio meus heróicos pacientes foram os amigos de futebol de praia no Gonzaga e seus familiares, que salvavam o aluguel e as despesas. Quando não conseguia salda-las era salvo pelas “mordidinhas”financeiras na Dona Maria, minha mãe, sempre com promessa de resgata-las, o que nunca cumpri. Vibrei com esse mundo novo: eu tinha MEUS pacientes e alguns até me chamavam de “doutor”.
Com os amigos e colegas – Edmar, meu confidente; Barbosa, meu guru; o filósofo Dalton; o irrequieto Herculano; Maurity, meu eterno amigo e irmão e tantos outros, varei noites discutindo problemas e casos, jogando conversa e gabolices fora. E assim foi, de 1954 a 1961. Nessa época, já casado com Maria Helena, era pai de uma filha, Mônica.
Oito anos após, de tanto encontrar pacientes indo para a cidade de ônibus ou de bonde, deslocando-se de suas casas na praia em direção ao meu consultório - então na rua Amador Bueno nº 26, Edifício Concórdia – já enfrentando uma cidade de trânsito congestionado, decidi que eles não mais teriam que deslocar-se tanto. Optei por levar meu até eles, monta-lo na região da praia. Meus amigos falavam que eu estava ficando louco. “Sair da cidade para ser dentista de bairro? Você vai perder a fina flor da sua clientela” – profetizaram. Além disso, quis fazer uma sociedade com meu irmão Walter, outro “louco”, pioneiro em seu aperfeiçoamento no tratamento para crianças, Odontopediatria. Eu ouvia: “”Fazer sociedade não é bom; com família é pior ainda”. Mais uma vez o conselho chegou tarde demais. Eu já estava apaixonado pela idéia e pelo imóvel na rua Galeão Carvalhal nº52, cuja propietária, Dona Isabel, após o endosso de Carminho e Paulo Magalhães (o cara de bravo e coração de ouro), acreditou por bem alugar-nos.
Foi tudo maravilhoso. Começamos juntos, aumentamos nosso círculo social, conhecemos amigos. Os filhos já eram mais três: Eduardo, Luciano e Marcelo.
Nessa época o mundo estava mudando seus costumes, hábitos e vestes. Procurava-se mais praticiddade. Os ônibus substituíam os bondes; os apartamentos substituíam as casas. Popularizavam a calça Lee, a bermuda e a camisa esporte. Desapareciam as anáguas, as perucas, as cinturitas. A cidade deslocava-se para a praia congestionando agora a orla marítima, principalmente o Gonzaga.
Por este motivo, em 1975, decidimos, Walter e eu, ir para um local onde os pacientes tivessem mais facilidade para estacionar. Resolvemos procurar uma casa grande onde pudessem trabalhar também colegas, assistentes ou colegas de outras especialidades; um trabalho em equipe multidisciplinar em Odontologia o que seria mais proveitoso e produtivo.
Assim pensamos e assim realizamos. Sob a áurea do Dr. Leôncio Rezende, alugamos a casa onde viveu até seus últimos dias: Avenida Washington nº464. Nessa época já tínhamos um protético, o sergipano Elinaldo, cheio de vida e conversa. A ele juntaram-se Marly (a ‘filha’ colinense), a quem fui buscar em Ribeirão Preto no dia de sua formatura; Ronaldo, um santista e cria nossa de longo tempo e o meu amigo-irmão de idéias simbióticas, José Antônio. Em 1975, se concretizava o sonho da Clínica.
Com a morte de meu pai herdamos a casa em que morávamos ao chegar de Sorocaba. É o nº 408 da mesma avenida. Terezinha Kannebley, corretora amiga, colaborou para a compra da casa ao lado, o nº 406 e assim, em 1981, a Clínica Dentre tinha seu imóvel próprio. Reformamos e unimos as duas casas em uma só para que ficasse mais funcional.
Como a antiga clínica e a nova casa eram próximas, praticamente apenas uma quadra, a mudança foi quase toda feita ‘no braço’. Todos colaboraram, carregando objetos pela avenida abaixo, sempre muito entusiasmados com o novo local, mas também assustados pelo novo investimento. “Não seria ele muito grande? E as despesas?”
Hoje, passados 17 anos, sabemos que não foi. Crescemos, e muito. Orgulhamo-nos da Clínica pelo reconhecimento de nossos pacientes – e pelo nosso esforço e dedicação ao sonho de podermos exercer a profissão ‘gostosamente’.
Do nosso sangue juntaram-se a nós a minha linda filha Mônica e o dedicado sobrinho Marcos, filho do Walter. Juntaram-se também o ex-patrulheiro João, hoje meu ‘filho protético’, de quem muito me orgulho e seu irmão Leone. Integrando também nossa filosofia de trabalho, está ainda o corpo auxiliar - nosso jardim - capitaneado por Rosana (charmosíssima), auxiliada pela ‘formiguinha’ Penha. Temos a paciente e eficiente Rosângela na recepção e todas as demais companheiras de trabalho, sorridentes no “bom dia”e às demais companheiras de trabalho, sorridentes no “bom dia” e às minhas recomendações para os finais de semana.
Agradeço a Deus o envio de Ewa, amiga e esposa que mobilizou em mim, quando a conheci, o impulso de mandar colocar uma faixa nas árvores em frente a Faculdade de Filosofia onde ela lecionava na época, com os dizeres:”Nem nos tempos de Adão, nem nos tempos que virão, terão por uma Ewa tanta paixão...”.
Agradeço a Ele ter-me mostrado as diretrizes da Psicologia para melhor conhecer minhas limitações e reais necessidades – as minhas e as dos outros, fossem amigos ou pacientes, todos apaixonantes e inesquecíveis.
Aos amigos Oswaldo, Luiz, João Carlos e Lamartine, nosso “Clube do Bolinha”, por tantos caminhos percorridos; e também ao Damico por suas palavras.
Graças também aos grupos de estudo de Odontologia e Psicologia dos quais participo ou participei; para mim, mais úteis que quaisquer congressos ou cursos assistidos ao longo desses 45 anos de profissão
Hoje estamos trilhando o nosso caminho. A Clínica, com seus sete profissionais mais o corpo de assistentes, doze jovens, segue em busca de uma felicidade e de uma alegria de viver que fecham o elo do melhor remédio contra todas as doenças: o amor.
Agradeço a Deus, mais uma vez, por ter-nos guiado até Santos, ao calor afetuoso de seu povo para conosco, forasteiros, que aqui chegamos certos de bom solo a receber as sementes dos nossos anseios.
Enfim, obrigado meu Deus pela Sua eterna companhia.

P.S. Desculpem-me a ausência escrita daqueles que estão em nossos corações, mas que a memória vacilou pela emoção.